sexta-feira, 28 de outubro de 2011

PARTE-2 - Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Religioso


Parâmetros Curriculares Nacionais do ER - PARTE-2
 
1.2. ENSINO RELIGIOSO E A PARTICIPAÇÃO SOCIAL

1.2.1. Cultura e Transcendência

            O ser humano constitui-se num ser em relação. Na busca de sobreviver e dar significação para a sua existência ao longo da historia, desenvolve as mais variadas formas de relacionamento com a natureza, com a sociedade e com o Transcendente, na tentativa de superação de sua provisoriedade, limitação, ou seja, sua finitude. . Dilema que o desafia de forma marcante ante a complexidade da técnica, da industrialização, da urbanização, do racionalismo, da secularização.
Quem sou eu?
De onde vim?
Para onde vou?
            Perante essas indagações, o ser humano desenvolve conhecimentos que lhe possibilitam interferir no meio e em si próprio. O conjunto dessas suas atividades e conhecimentos representa um ser humano dotado de um outro nível de relações: a Transcendência. Por isso, essa capacidade inerente ao ser, possibilita-lhe integrar em seu âmbito tudo o que lhe é exterior, deparar-se com problemas e rebelar-se contar eles numa ação fundada não em seus limites, mas nas possibilidades que percebe. Recusando-se a encarar o desconhecido como barreira definitiva, transforma-o em projeto. E ao se perceber  ameaçado pela natureza, sobrevive mediante a produção da cultura.
Cada cultura tem, em sua estruturação e manutenção, o substrato religioso que a caracteriza. Este o unifica à vida coletiva diante de seus desafios e conflitos.
Desse modo, a ação humana consiste em tornar a Transcendência sua companheira de todas as etapas de aventura como origem de projetos, enquanto desejo e utopia. A recusa à Transcendência é trágica para o ser humano, pois o torna resignado em sua mediocridade.
Assim, na raiz de toda a criação cultural está a Transcendência, resultando daí um processo ininterrupto de ocultamento-desevelamento: quanto mais a cultura ilumina o desconhecido mais este insiste em continuar a se manifestar, exigindo novas decifrações.

1.2.2.Tradição religiosa e a construção da paz

O erro mais trágico e persistente do pensamento humano é o conceito de que as idéias são mutuamente exclusivas. Esse engano fatal em todos os tempos frustra o ideal da fraternidade universal. Em cada indivíduo, em cada povo, em cada cultura existe algo que é relevante para os demais, por mais diferentes que sejam entre si. Enquanto cada grupo pretender ser o dono exclusivo da verdade, enquanto perdurar essa estreiteza de visão, a paz mundial permanecerá um sonho inatingível.
Básico para a construção da paz na sociedade é a humildade para reconhecer que a verdade não é monopólio da própria fé religiosa ou política. E, no Ensino Religioso,  pelo espírito de reverência às crenças alheias (e não só pela tolerância), desencadeia-se o profundo respeito mútuo que pode conduzir à paz.
Lamentavelmente, o que predomina no mundo é o fanatismo que se propaga nas mais diversas esferas, agindo e apelando sempre para o Transcendente, a Fé, a História e a Justiça Universal, a fim de legitimar seus direitos irrestritos e a supressão dos direitos do outro. Portanto, o não reconhecimento do outro sustenta a atitude de fanáticos e idealistas.
O Ensino Religioso necessita cultivar a reverência, ressaltando pela alteridade que todos são irmãos. Só então a sociedade irá se conscientizando de que atingirá seus objetivos desarmando o espírito e se empenhando, com determinação, pelo entendimento mútuo.
Nessa perspectiva o Ensino Religioso é uma reflexão crítica sobre a prática que estabelece significados, já que a dimensão religiosa passa a ser compreendida como compromisso histórico diante da vida e do Transcendente. E contribui  para o estabelecimento de novas relações dos ser humano com a natureza a partir do progresso da ciência e da técnica.

1.3. CONHECIMENTO RELIGIOSO

A tarefa de buscar fundamentos para o Ensino religioso remete às questões do fundamento do conhecimento religioso, mesmo revelado, como um conhecimento humano.
É a reflexão a partir do conhecimento que possibilita uma compreensão do ser humano como finito. É na finitude que se procura fundamentar o fenômeno religioso, que torna o ser humano capaz de construir-se na liberdade.
Entende-se também que a Escola é o espaço de construção de conhecimentos historicamente produzidos e acumulados. Como o conhecimento humano é sempre patrimônio da humanidade, o conhecimento religioso deve também estar disponível a todos os que a ele queiram ter acesso.

1.3.1. O conhecimento religioso e a escola
          
A Escola, por sua natureza histórica,  tem uma dupla função: trabalhar com os conhecimentos humanos sistematizados, historicamente produzidos e acumulados, e criar novos conhecimentos.
Todo o conhecimento humano torna-se patrimônio da humanidade. A sua utilização, porém, depende de condições sociais e econômicas  bem como das finalidades para as quais são utilizados. Nem todo o conhecimento é de interesse de todos. Um conhecimento político ou religioso pode não interessar a um grupo, mas, uma vez produzido, é patrimônio humano e como tal deve estar disponível. O conhecimento religioso é um conhecimento disponível e, por isso, a escola não pode recusar-se a socializá-lo.
Por questões éticas e religiosas, e pela própria natureza da Escola, não é função dela propor aos educandos a adesão e vivência desses conhecimentos, enquanto princípios de conduta religiosa e confessional, já que esses são sempre propriedade de uma determinada religião.

1.3.2. A produção do conhecimento religioso

1.3.2.1.  A pergunta

Todo ser humano faz perguntas. Ele interroga  a si mesmo e ao mundo. Ao interrogar-se, procura saber quem ele é, para onde vai e de onde veio. Quando a pergunta recai sobre o mundo, o ser humano procura compreender seu mistério, sua origem e finalidade. Na experiência do cotidiano existencial, a pergunta rompe com o mesmo. Provoca situações. Faz emergir o desconhecido. O manifesto, enquanto manifesto, já é conhecido e por isso não é mais provocador. O objeto manifesto, porém, guarda sempre outra face como desconhecida, mas sugerida. É um culto vislumbrado no horizonte. A esse desconhecido que está além do horizonte denominamos de mistério.
A negação do mistério provoca o caos. A instalação do caos na consciência humana acontece também quando a inteligência não consegue compreender  e dominar os fenômenos que se manifestam, como o temporal, a morte, a doença, a guerra. A superação do caos se dá pelo conhecimento do fenômeno e pela força de um ritual.
A pergunta surge da necessidade do conhecimento e é instigante. Por isso, a pergunta para a inteligência humana, enquanto permanece na curiosidade, não encontra uma resposta. O conhecimento elimina a curiosidade, temporariamente. Incorporada ao mundo existencial, a questão torna-se familiar e cotidiana.

1.3.2.2. As respostas

1.3.2.2.1. A concepção do mundo

Cada pergunta requer uma resposta. A prática cotidiana mostra existirem muitas respostas para uma mesma pergunta, dependendo de quem oferece a resposta. Muitas respostas não conseguem Ter coerência entre si e são contraditórias. Por isso, há necessidade de uma "instância" que seja capaz de ordenar os conhecimentos recebidos como resposta e possibilitar uma visão global do mundo. Pode-se chamar a essa potência, instância, de "concepção do mundo". Assim, a concepção do mundo é a maneira como cada ser humano compreende o mundo.
            A concepção do mundo assume o papel de acolher ou rejeitar as respostas que se enquadram ou não na compreensão que se tem do mundo. A tradição religiosa, a política, a ideologia se apresentam como estruturantes da concepção de mundo. Em algumas pessoas, a concepção de mundo se apresenta com muita rigidez e inflexibilidade, noutras, mais aberta, e sem critérios de julgamento. Em determinados momentos, a tradição religiosa aparece como determinante da estrutura da concepção de mundo, noutros, aparece a ideologia, a política ou a tradição e o contexto sociocultural.
            Buscar coerência na compreensão de mundo que cada um possui não significa abdicar os fundamentos estruturantes, como no caso da tradição religiosa e cultura. Ao contrário, a própria tradição religiosa, a cultura e a ideologia necessitam da reflexão para se purificarem de suas contradições.
            A Escola deve ajudar o educando a adquirir instrumentos universais que o auxiliem na superação das contradições nas respostas isoladas e procurar dar coerência à sua concepção de mundo.

1.3.2.2.2. Respostas específicas

Cada pergunta requer uma resposta específica e para ser aceita são estabelecias condições pela pessoa, que exige respostas legítimas. A veracidade, critério para se aceitar um conhecimento, fica assim condicionada à legitimidade. Ora, quem pode conceder respostas? Não se pode esquecer que as respostas são sempre conhecimentos. A questão pode ser colocada da seguinte maneira: "Quem possui os conhecimentos sobre o mistério?”.
O primeiro nível de conhecimento indica a existência de conhecimentos adquiridos pela experiência pessoal, aqui denominados de práticos; e conhecimentos adquiridos através da informação, referidos como teóricos. Os primeiros são legitimados pela evidência da experiência. Esta pode ser posta em dúvida, na medida em que é possível formular outras perguntas sobre o objeto já experimentado, ou quando a própria estrutura da experiência é posta em dúvida no sentido de tornar-se problemática. As informações, porém, são legitimadas pela autoridade que oferece a resposta. A autoridade, enquanto legítima, é aceita como fonte transmissora de conhecimento, na qual é depositado o ato de confiança daquele que pergunta. É por isso que neste nível de conhecimento aparecem, com muito vigor, os sábios, as lideranças e as autoridades instituídas política e socialmente.
No campo da filosofia e da teologia, o homem busca na razão e na autoridade a legitimidade do conhecimento. Já as outras ciências buscam sua legitimação no rigor do método.
A dimensão religiosa do conhecimento humano encontra suas vertentes para assegurar a veracidade do mesmo. A primeira se enraíza na autoridade, institucional ou carismática. A outra provém do interrogante. É normal não se aceitar um conhecimento quando não for veraz. Como a veracidade pode depender da legitimidade da autoridade, é necessário, às vezes, absolutizar a autoridade do ser humano para garantir a veracidade do conhecimento. Esse processo se faz presente em pessoas que não admitem romper com a dogmatização dos conhecimentos  porque tal situação as colocaria em insegurança.
Parece haver uma relação evidente entre a insegurança do ser humano, provoca pelo mistério ou pelo caos, com a necessidade de respostas seguras através de uma autoridade legítima, detentora do conhecimento sobre o mistério. É evidente, também, o fenômeno de posse dos objetos e do domínio sobre o mistério através do conhecimento.

1.3.3. A raiz do fenômeno religioso

O conhecimento resulta das respostas oferecidas às perguntas que os er humano faz  a si mesmo e ao informante. Às vezes, para fugir à insegurança, resgatando a sua liberdade, ele prefere respostas prontas, que apaziguam a sua ansiedade. A raiz do fenômeno religioso encontra-se no limiar dessa liberdade e dessa insegurança. O homem finito, inconcluso, busca fora de si o desconhecido, o mistério: transcende.
Esta situação original é própria de todo ser humano, por isso definido como projeto. Aberto ao infinito, mas ao mesmo tempo ansioso por se assegurar como exigente, fecha-se à invasão do mundo com medo de por ele ser destruído. A pergunta nesse processo é sempre vista como um caminho de invasão, por isso, para proteger-se fecha-lhe a porta de entrada. Recuperada a pergunta, o cotidiano se abre, o processo de crescimento intelectual continua e a liberdade é reconquistada.

1.3.4. A escola e o conhecimento religioso

A Escola tem a função de ajudar o educando a se liberar de estruturas opressoras que o impedem de progredir e avançar. Através da reflexão, educador e educando rompem com as prisões que os prendem à segurança ilusória oferecida por objetos, situações e autoridades não legitimas. Compreendem os limites do conhecimentos e a finitude do ser humano.
Esses conhecimentos, de caráter antropológico, devem abrir o caminho para a necessidade de outra dimensão humana, que é a fé. O conhecimento humano é produção do homem e não pode ser cristalizado. Por ser um produto histórico, terá sempre seu caráter de falibilidade.
Por outro lado, o processo de aprendizagem se fundamenta na busca do saber e no desejo de transcendência. Toda a pergunta, nesta perspectiva, se torna legítima. A Escola não pode negar conhecimento, respostas, às perguntas feitas pelos educandos. Todas as perguntas, não importando de que campo sejam, exigem atenção da Escola.

1.3.5. O profissional de educação no Ensino Religioso

Diante do mistério do Transcendente, a perplexidade do educador necessita antecipar à do educando para que junto possa responder às questões trazidas ou estimular outras perguntas. Sua síntese centra-se na própria experiência. No entanto, necessita apropriar-se da sistematização de outras experiências que permeiam a diversidade de cultura.
A constante busca do conhecimento das manifestações religiosas, a clareza quanto à sua própria convicção de fé, a consciência da complexidade da questão religiosa e a sensibilidade à pluralidade são requisitos essenciais no profissional do ensino religioso.
Desse profissional espera-se que esteja disponível para o diálogo e seja capaz de articulá-lo a partir de questões suscitadas no processo de aprendizagem do educando. Cabe a esse educador escutar, facilitar o diálogo, ser o interlocutor entre Escola e Comunidade e mediar os conflitos.
O educador é alguém que naturalmente vive a reverência da alteridade e leva em consideração que família e comunidade religiosa são espaço privilegiado para a vivência religiosa e para a opção de fé. Assim, o educador coloca seu conhecimento e sua experiência  pessoal a serviço da liberdade do educando.
Frente a isso, faz-se necessário uma formação específica onde sejam contemplados, entre outros, os conteúdos: Culturas e Tradições Religiosas; Escrituras Sagradas; Teologias comparadas; Ritos e Ethos, garantindo-lhe a formação adequada ao desempenho de sua ação educativa.

 1.4. RAZÃO DE SER DO ENSINO RELIGIOSO:
       CONHECIMENTO/DIÁLOGO

A educação escolar tem possibilitado historicamente o acesso ao conhecimento produzido pela humanidade e ao mesmo tempo o desenvolvimento do indivíduo enquanto pessoa, através de valores e atitudes.

Conhecer significa captar e expressar as dimensões da comunidade de forma cada vez mais ampla e integral. Assim, entendendo a educação escolar como um processo de desenvolvimento global da consciência e da comunidade entre educador e educando, à escola compete integrar, dentro de uma visão de totalidade, os vários níveis de conhecimentos: o sensorial, o intuitivo, o afetivo, o racional e o religioso.
Como na sociedade democrática todos necessitam da Escola para Ter acesso à parcela de conhecimento histórico acumulado pela humanidade, através dos conteúdos dos escolares, o conhecimento religioso enquanto patrimônio da humanidade necessita estar à disposição na Escola. É preciso, portanto, prover os educandos de oportunidades de se tornarem capazes de entender os momentos específicos das diversas culturas, cujo substrato religioso colabora no aprofundamento para a autêntica cidadania.
Essa responsabilidade atribuída à Escola como conseqüência do projeto educativo, comprometido com a democratização social e cultural, coloca o Ensino Religioso na função de garantir que todos os educandos tenham a possibilidade de estabelecer diálogo.
E, como nenhuma teoria sozinha explica completamente o processo humano, é o diálogo entre elas que possibilita construir explicações e referenciais, que escapam do uso ideológico, doutrinal ou catequético.
Se é na Escola que a consciência humana das limitações se aprofunda, também é nela que a humanidade poderá aprender as razões de superação de seus limites. É na dinâmica da educação que o anseio de aprender a totalidade da vida e do mundo é explicitado em formas de conhecimentos culturais. E, como o conhecimento religioso está no substrato cultural, o Ensino Religioso contribui para a vida coletiva dos educados na perspectiva unificadora que a expressão religiosa tem, de modo próprio e diverso, diante dos desafios e conflitos.
Assim, o conhecimento religioso, enquanto sistematização de uma das dimensões da relação do se humano com a realidade transcendental, está ao lado de outros, que, articulados, explicam o significado da existência humana.
Ele é o instrumento que auxilia na superação das contradições de respostas isoladas de cada cultura.
Criar a oportunidade de ter o Ensino Religioso de forma sistematizada permite uma compreensão mais crítica do cidadão.

1.5. OBJETIVOS GERAIS DO ENSINO RELIGIOSO
       PARA O ENSINO FUNDAMENTAL

O Ensino Religioso, valorizado o pluralismo e a diversidade cultural presente na sociedade brasileira, facilita a compreensão das formas que exprimem o Transcendente na superação da finitude humana e que determinam, subjacentemente, o processo histórico da humanidade. Por isso necessita:
· proporcionar o conhecimento dos elementos básicos que compõem o fenômeno religioso, a partir das experiências religiosas percebidas no contexto do educando;
· subsidiar o educando na formulação do questionamento existencial, em profundidade, para dar sua resposta devidamente informado;
· analisar o papel das tradições religiosas na estruturação e manutenção das diferentes culturas e manifestações socioculturais;
· facilitar a compreensão do significado das afirmações e verdades de fé das tradições religiosas;
· refletir o sentido da atitude moral, como conseqüência do fenômeno religioso e expressão da consciência e da resposta pessoal e comunitária do ser humano;
· possibilitar esclarecimentos sobre o direito à diferença na  construção de estruturas religiosas que têm na liberdade o seu valor inalienável.


Disponível em: < http://www.conerpassofundo.com.br/index.php/parametros-curriculares/50-parametros-curriculares-nacionais-do-er-parte-2-.html>. Acesso em: 28 out. 2011.

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